A medida que o irresistível curso do tempo seguia seu rumo, fui gradualmente compreendendo a natureza volátil da existência. Nada neste mundo é verdadeiramente eterno, pois o tempo, soberano incontestável, rege o ciclo inexorável de tudo que é efêmero, finito e passageiro. Percebi, com o coração entristecido, que o tempo, em sua benevolência enganosa, não cura as feridas, mas apenas suaviza a dor e embaça a memória, tornando tudo aquilo que foi intenso em algo distante e turvo. A passagem dos dias, meses e anos dissolve a nitidez das lembranças, lembrando-me de quão frágil e transitória é a nossa presença neste mundo." Assim envolvida pelo sofrimento e pela nostalgia, a idosa protagonista deste romance revisita toda a sua vida em uma viagem que atravessa sete décadas, e retorna ao ponto onde tudo começou: a infância e a adolescência na Rua da Misericórdia, um local onde convivem os tipos mais emblemáticos das vicissitudes humanas. A degradação, as doenças, os vícios, os dramas familiares e a mesquinhez de vizinhos que cruzam a todo momento o caminho da jovem Maria da Gloria vão levá-la a uma dolorosa jornada de descobertas, na qual a busca por libertação e por autoconhecimento marcará a transição para a vida adulta.

Da luta contra o alcoolismo do pai à perda de entes queridos que chega ao paroxismo com a morte prematura do próprio marido -, nossa protagonista enfrentará tragédias pessoais que se mesclam a momentos históricos do país, como o suicídio de Vargas e o golpe militar de 1964. Mas conhecerá também a humanidade de cada personagem e encontrará amparo na amizade e no amor verdadeiro. Imersa na escuridão de dias melancólicos, quando faz sua narrativa final, ela não deixará de ver, como que por uma porta entreaberta, a luz que surge em uma fresta, trazendo à memória momentos felizes outrora vividos. Ao contrário do que possa parecer, não é uma historia de dor. É uma história de esperança.